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O direito à mobilidade

O tema saltou para a ordem do dia por causa dos protestos brasileiros, iniciados em São Paulo – a maior cidade do continente, com o quádruplo da área do concelho de Cantanhede e mais de trezentas vezes a sua população – onde os automóveis congestionam as avenidas e poluem o ar e onde os mais pobres (que moram longe) gastam muito tempo em longas filas à espera de autocarros insuficientes, pouco eficientes e, na opinião dos passageiros, injustamente caros. A questão de a mobilidade constituir um direito humano ainda não se tinha posto com esta acuidade.

É certo que a privação da mobilidade sempre foi percebida como penosa, dos servos da gleba aos condenados a prisão. Mas excluídas as restrições legais (fronteiras, vistos) e as provenientes de deficiência física (pessoas com mobilidade reduzida), os enviesamentos económico-sociais à fruição da mobilidade nunca tinham sido tão conscientes, evidenciando a necessidade social de tomar medidas para compensar as discriminações decorrentes da relação entre o rendimento e a ocupação do território. É a necessidade de transformar a igualdade em equidade, reduzindo as discriminações, que releva a mobilidade como direito humano.

A isto acresce, sobretudo para países dependentes da importação de petróleo, a questão dos custos financeiros e ambientais das opções que têm sido tomadas quanto ao planeamento dos transportes. O planeamento da mobilidade sustentável deve prever para percursos progressivamente menores e com menos utilizadores: as redes ferroviárias, as redes rodoviárias, as ciclovias e os caminhos pedestres. No que se refere a mercadorias, elas deveriam ser transportadas preferencialmente, e considerando percursos progressivamente menores e cargas progressivamente menos pesadas e volumosas, por via marítima, ferroviária e rodoviária. O que tem acontecido é que só as rodovias imperam, tornando inviáveis e perigosos os percursos a pé ou de bicicleta.

A sociedade deve garantir o direito de as pessoas de reduzida mobilidade (idosas, nomeadamente) e de menores recursos se deslocarem. Deve assegurar transportes colectivos subsidiados e de qualidade que libertem os centros urbanos do tráfego automóvel e assegurem que o direito à mobilidade não ameace a qualidade de vida e ambiental presente e futura.

Independente de Cantanhede, 3 de Julho de 2013